ARTIGO DE MÁRCIO SANTILLI: Movimento pró-morte

Por: Márcio Santilli

Sábado passado (11/4), um grupo de bolsonaristas organizou uma carreata contra a quarentena e a política de isolamento para conter a epidemia do novo coronavírus. A manifestação trancou a Avenida Paulista, onde algumas dezenas de manifestantes se concentraram, descumprindo a orientação das agências sanitárias. Os principais alvos dos manifestantes foram a China, a Globo e o João Dória (“todos comunistas!”).

No auge da manifestação, um grupo mais empolgado, sem usar máscaras ou qualquer outra forma de proteção, promoveu uma cena escatológica, pulando e dançando com um caixão funerário erguido sobre as suas cabeças, simbolizando “a morte da ditadura do Covid 19”. A ditadura seria a política de isolamento para reduzir o número de vítimas da epidemia. O caixão erguido poderia perfeitamente representar uma homenagem à própria morte!

Durante a dança macabra, um manifestante gritava no microfone de um carro de som: “pessoal, venha para a Paulista. Não seja um rato, não fique dentro de suas casas. Venha se manifestar nas ruas. Não acredite nessa mentira, o coronavírus não existe. Isso é um resfriado que sempre existiu. Não entregue a sua vida na mão dos comunistas. Eles estão acabando com o Brasil”. Naquele mesmo dia, já se contavam mais de cem mil mortos no mundo, mil no Brasil, em consequência da pandemia.

Outro manifestante, Marcelo Pegoraro, advogado e fundador da Aliança pelo Brasil, o novo partido de Jair Bolsonaro, gritava, transtornado: “Dória, você é um filho da puta! Nós vamos te matar!”. Essa paixão pelo governador também foi compartilhada pelo empresário Otávio Fakhouri, ex-tesoureiro do PSL-SP, que não rasga dinheiro, mas apoia atos do gênero e disse no Twitter: “João Doria, seus dias estão contados. Você passou dos limites. Esse povo está por aqui com você. O povo vai arrancar você do seu bercinho, seu ditador!”. Povo, no caso, é essa facção dos paladinos da morte.

Márcio Moretto Ribeiro é pesquisador da USP e constatou que as falas bizarras do presidente, em momentos críticos, angariam novos apoiadores em quantidade acima da média. No desastroso pronunciamento em rede, em 24/03, quando Bolsonaro defendeu o isolamento social apenas para o grupo de risco, o número de novos seguidores foi de dez vezes a média, o maior aumento desde março de 2019.

Ribeiro explica que esse aumento de seguidores não é contraditório com a queda na aprovação do governo junto à população em geral, aferida nas pesquisas de opinião realizadas no mesmo período. “É possível porque os novos apoiadores são ou se tornam mais radicais e negam especialistas apresentados pela imprensa como premissa. É um realinhamento de sua base de apoio, que se torna menos numerosa porém mais radical”, explica.

É claro que uma equação política desse tipo não pode acabar bem. Mais de dois terços dos brasileiros apoiam o isolamento social, que, para ser eficaz, precisa chegar a um patamar de 70%. O que ainda vamos ver é se o boicote do presidente e da sua funesta militância, além de multiplicar o número de vítimas, vai anular o sacrifício da maioria.

Vamos contrapor a essa loucura toda um trecho do poema “Quarentena”, com que Moraes Moreira brindou amigos – e todos nós – um pouco antes de nos deixar deste mundo:

“Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
Às vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido.”

13 abril marcio santilli

Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996

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